Psicanalistas se casam?

Vou me casar.

Minha noiva diz que a gente vem se casando, eu gosto muito disso, essa ideia de que a cada novo encontro que temos, a cada compreensão do que somos e podemos ser, nos casamos.

Agora vamos nos casar no cartório e na igreja.

Outro dia, dando a notícia a um amigo querido, ele me disse: “Pô, vocês psicanalistas se casarem… fiquei surpreso!”

Eu, o conhecendo, ouvi isso assim: “Esperava que vocês, sendo psicanalistas, me apresentassem um jeito de ser casal que não tivesse que passar pela fraca instituição do casamento com todos os seus pesos insustentáveis e indesejáveis neste tempo. Vocês se dão tão bem, por que se casar?”

Como aprendi que ao responder “porque” os mecanismos de defesa do inconsciente se armam mais facilmente, pensei em responder “para que”.

Então, para que se casar?

Bem, eu a amo e quero passar o resto dos meus dias com ela, a vida se enche de alegria todos os dias que acordo e sou abraçado por ela.

E quando digo “te amo”, digo sabendo que todas as minhas questões edipianas, narcísicas estão fervilhantes e vivas no nosso relacionamento. Tudo o que sou, tudo que eu não sou, está em jogo com ela.

O menino que eu sou tem lugar na mulher querida que ela é.

Ao filho que sou ela lembra que tenho mãe, nunca deseja esse lugar, se apresenta sempre como minha mulher.

Estou aprendendo a amar para além do meu umbigo e sempre que estou perdido ela me chama de volta.

Juntos, entendemos que a vida que estamos construindo não excluí as crianças e os adolescentes que fomos e que ainda somos.

Está tudo aqui! Não negamos nada, incluímos tudo que percebemos e juntos estamos construindo novos modos de vida que vão se somando aos que já temos, ao que já somos.

Mas…cada coisa nova, cada coisinha que fazemos para além do que já é, cuidamos como pérola preciosa, para que a beleza da nossa casa seja construída acima da força das nossas repetições.

Estamos nos deixando ser fecundados um pelo outro, permeados, inundados, influenciados, cada vez com menos medo.

Mas ela me diria a essa altura “Querido isso ainda é o ‘porque’ “.

Está certo.

Sei que isso não é motivo para se casar no cartório e na igreja, nenhuma instituição nos daria o que temos com os nossos tantos casamentos.

Já estamos casados no que para nós importa.

Casar não vai garantir que ela fique para o resto da minha vida, vamos continuar nos casando e nos casando à medida que vivemos.

Ficamos juntos porque queremos ficar juntos, esse é o nosso maior acordo.

Poder ir embora a qualquer hora é o que torna a permanência signo de desejo e não obrigação.

Então para que se casar?

Vou me casar porque gosto, preciso e amo ritos.

Tem uma parte de mim que escapa a minha racionalidade e as realidades concretas do nosso tempo.

Sei que vida se constrói no dia a dia, mas penso que “dia a dia” já uma expressão de um modo de pensar produtivista.

Para mim, a vida necessita cada vez mais de dias e de ritos sagrados.

Estabelecimento de espaço e tempo sagrado foi o que nos tornou plenamente humanos.

Sagrado na atualidade, não no sentido stricto sensu atribuído ao que é religioso, mas no sentido daquilo que se contrapõe ao espaço e tempo da produtividade.  

Vou me casar também por conta do elemento mágico.

Quero muito a sensação de fechar meus olhos e ouvir a oração de benção sobre nós.

Quero muito receber o carinho dos meus parentes e amigos.

Quero falar com meus tios distantes, quero o abraço da minha mãe, das minhas tias e da minha sogra.

Quero receber o cumprimento de estranhos na rua.

Quero lembrar que meu pai não está aqui, quero chorar sua ausência e abraçar sua presença em mim e nos meus irmãos.

Quero pensar que meu sogro me amaria e falaríamos longamente de filmes que ela acha machistas e piegas.

Quero chorar abraçado a ela sem nenhuma palavra, imaginando que nós dois sabemos exatamente por que estamos chorando.

Estou desejando um dia mágico! Vou me casar para sentir todas essas coisas todas e outras que ainda não imagino.

O mais do “para que” fica para minha análise, mas mesmo nela, ainda haverá um quantum de indizível nesse desejo.

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